novembro 03, 2014

#energia

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Há 12 anos atrás, mais especificamente há 12 anos e quatro dias, inscrevi-me no curso de Engenharia Química no Instituto Superior de Engenharia do Porto. Foi apenas na 2ª fase que tropecei no curso pelo qual me viria a apaixonar, se bem que nessa altura o objectivo era manter-me ocupada. Enquanto isso, pensava eu, iria voltar a preparar-me para os exames nacionais do ano seguinte e conseguir entrar num curso de técnicos de saúde.

A vida tem uma forma peculiar de quantificar e de qualificar os nossos objectivos e assim de repente, o que hoje era verdade verdadinha e é uma primeira opção à qual nos dedicamos intensamente, passa para segundo plano num abrir e fechar de olhos.

No 7º ano queria ser juíza, no 9º ano estilista. Inicei o 10º ano fascinada com as aulas de Biologia, logo a opção efémera de curso passou para Biologia Marinha, dando lugar a Terapia da Fala no 11º e o 12º anos. Não tenho justificação para o leque variado de cursos em cinco anos, a não ser um fascínio momentâneo com algum tema ou disciplina. Quanto à escolha de terapia, deve-se única e exclusivamente ao facto da minha mãe ter acabado de reingressar na faculdade, tendo optado por Terapia Ocupacional, o que acabou por me introduzir alguma curiosidade. 

Escolhi Engenharia Química com a ideia de poder trabalhar na indústria do téxtil, já que o bichinho da arte ainda não tinha desaparecido, estava apenas amansado. Acabei por ter de engolir o que havia dito uns meses antes quando saí do exame nacional de matemática, de que nunca mais na minha vida iria olhar para números com tanto afinco. É irónico como tem dias que as minhas folhas de excel parecem o script do Matrix...

Perdi as primeiras actividades académicas e o rendimento do primeiro ano também não é um motivo de excepcional orgulho. O primeiro ano trouxe-me uma motivação para os anos seguintes e, o melhor de tudo, muitos amigos que ainda hoje preservo ©©©


Perdi um pouco o fio à meada quanto à organização do meu curso nos dias de hoje. No meu tempo, o bacharelato em regime diário tinha a duração de três anos, complementando-se os estudos à noite, com a licenciatura de dois anos, fosse no ramo de energia ou ambiente. Lembro-me perfeitamente da tortura na escolha do melhor ramo, porque sabia que estaria a pôr de parte uma opção que me poderia ser útil no futuro. E foi exactamente esse argumento que me fez escolher energia: imaginei-me num futuro longinquo (mal sabia eu que poderia não ser em Portugal) e pensei "será mais fácil ter a formação em energia e desenrascar-me em ambiente ou será o contrário?" E o pavor que tinha à termodinâmica, que inclusive me tinha dado muitas dores de cabeça, fez-me agarrar o touro pelos cornos. Energia, vamos lá!

Devo dizer que a combinação do programa de estudos foi perfeita para mim, pois cinco anos durante o dia seriam dolorosos. Os mesmos métodos de estudo e os mesmo horários acabam por criar rotinas e eu tenho comichão às rotinas. Esses dois anos passaram a voar, com a participação num projecto de investigação e ainda com algumas horas de apoio no centro de estudos da minha prima.

Olho para trás e vejo que a melhor arma que o ensino superior me deu, foi a capacidade de me adaptar a situações diferentes e de desenvolver métodos que ainda hoje me permitem uma aprendizagem rápida, distinguindo-me naquilo que faço. 

Gostava de ter estado mais atenta nalgumas disciplinas e de não ter recorrido tantas vezes às memórias auxiliares. Acredito que a avaliação contínua traga uma melhor aprendizagem, pois obriga a um esforço constante e minimiza o recuso à memorização a cuspe para exame. Arrependo-me de ter desprezado todas as disciplinas relacionadas com gestão, pois gerir recursos humanos mostra-se um pesadelo maior que a termodinâmica, isto para quem não está minimamente preparado e pretende dar de si num mundo de managers e não de chefes.

Na minha modesta opinião, assumindo uma grande falha em mim mesma, no ensino em geral, acaba por faltar um melhor desenvolvimento do espírito crítico, a começar logo no ensino básico. Relembrando o ditado popular, é de pequenino que se torce o pepino. Importa é explorar como se torce, ensinar logo a pensar fora da caixa. Transpondo esta lacuna para o ensino superior, nas faculdades existe a passagem de conhecimento para os interessados, não há uma troca de ideias, uma troca de aprendizagem. O professor é quase sempre senhor da razão, sendo mais facilmente premiado aquele que acena em concordância com o ilustre iluminado do que o engraçadinho que arrisca a seguir a um ritmo diferente da batuta do mestre. E sim, tive o prazer de aprender com alguns iluminados, a quem estou imensamente grata, ao mesmo tempo que desesperei com algumas das maiores aberrações detentoras de títulos académicos invejáveis. 

Findo os estudos, incluindo ainda um ano extra para ficar com o mestrado integrado, o sonho de trabalhar no sector do téxtil não era mais do que isso mesmo, um sonho. O país desindustrializado albergou o sector de “serviços" e encontrar um trabalho em Portugal, na minha área de estudo, passou a ser uma miragem. O que me salvou mesmo foi a escolha anterior pela energia, que me abriu portas para trabalhar na eficiência energética de edificios e que também me serviu de cartão de entrada para a empresa onde ainda estou desde que emigrei.

Se o engenho anda de mãos dadas com a arte, mantenho a esperança que um dia a energia que ponho na engenharia será a mesma que irei colocar nalguma actividade artística que me preencha, nem que seja escolher a palete de cores a aplicar a almofadas!

Fiquem bem, 
Joana

1 comentário:

  1. Ora bem, lá de vez em quando vem a necessidade de comentar aquilo que tu crias ao escrever. Partilho o mesmo carrossel de profissões, as mesmas indecisões e (infelizmente) os mesmos receios quanto ao futuro. Mas antes de mais vou-te (tentar) mostrar aquilo que foi o meu percurso profissional enquanto criança: na primária desejava ser veterinário de dia e médico pediatra à noite; já no básico a ambição passava por ser aquele "senhor que andava no Alfa Pendular a distribuir os jornais" - é incrível como em crianças todas as profissões não são menos importantes que outras ( pena que isso mude mais tarde, por força da sociedade desigual) -, sendo que mais tarde desejava ser tradutor fruto da paixão pelas línguas; No secundário foi a desgraça, desde professor de francês a professor de ciências ( adorava e adoro comunicar e partilhar), passando mais tarde para tradutor e professor de português. Mas por incrível que parece a média alta de secundário não ajudou. Revelou-se terrível, assustadora e assombrosa dada a quantidade de cursos disponíveis. Aterroriza qualquer um que pretende não o curso com a média mais aquele em que a média é mais baixa. Retomando, no 12º tive a luz. Apesar do professor de Sociologia, que na verdade era professor de Filosofia ( triste vida para os sociólogos), ser tudo aquilo que eu não gostava de ser caso chegasse a leccionar, a disciplina falou por si. Fascinou-me a sua complexidade, a sua capacidade crítica e pelo fato ir mais longe como também referiste mas, sobretudo, cativou-me a sua capacidade de questionar tudo e todos. Sempre gostei de ser diferente, sair fora da regra e pertencer a minorias. A sociologia é isso. Mais que um curso ou profissão é uma forma de estar na vida. E lá concorri eu em 2011 com a primeira opção de Linguas e Relações Internacionais ( "Diogo concorre pois tens a média alta e não a deves desperdiçar") - ai se eu entrava neste curso, nem quero pensar...segunda opção Jornalismo ( Ainda hoje percepciono como uma forma próxima de sociologia mas que não tem capacidade de investigar criticamente) e, em terceira opção, Sociologia (concorri a seis só para preencher o boletim). Sociologia foi a opção! E cá estou eu, quase 4 anos depois, licenciatura feita e iniciante no Mestrado. Apesar de todas críticas à curta duração do curso, à pedagogia aplicada e aos Professores Doutores que deviam ter formação na área de comunicação e ensino (sabes, aqueles mestrados via ensino), vejo -me obrigado a referir aos conteúdos aliciantes, aos trabalhos envolventes e aos contributos incríveis para a minha formação enquanto cidadão. Sim, como se diz lá no meio sociológico, somos uma formação de banda larga.No entanto, em Portugal concretamente, a Sociologia e as Ciências Sociais têm pouco relevo. Mas isso é muito comum pois somos considerados a área que incomoda (adoro incomodar). Há sempre lugar para os cursos nobres mas para arte e para as ciências sociais o caso muda de figura. Triste sociedade que não tem lugar para a arte e para a ciência social, que repercussões terá? Que sociedade que não tem capacidade de se questionar, de se interpretar e de se conhecer? E tudo isto para te dizer que adoro cada palavra que escreves e agradeço cada momento partilhado quase como um filme (baseado nas imagens que tenho de ti na minha infância) da tua vida que vale sempre a pena assistir.

    Obrigado
    Diogo Vidal

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