dezembro 11, 2014

#áfrica

áfrica

sob o olhar atento dela, subia a medo às ameixoeiras, atrás da Pi que já estava a balouçar num ramo mais alto

ela alertava para não rondarmos muito o circo que montavam em frente a nossa casa, ainda a Praceta 18 de Dezembro era um monte de silvas, porque tinha medo de sermos raptadas

fez-me cantar a tabuada, antes do tempo

ensinou-me crochet e ensinou-me a bordar o ponto de cruz e o ponto de linha

agachávamo-nos junto a ela, a ouvir as rezas e rezinhas a Santa Rita, sob uma trovoada apocalítica, aos nossos ouvidos de meninas

ouvíamos as histórias de como tinha sido a primeira menina a fazer a 4ª classe, do quão queria ter continuado a estudar (por volta de 1925) mas teve que ajudar a mãe a criar as irmãs com 10 anos, após o pai ter morrido esmagado por um toro

disse-nos que, a pedido dos seus conterrâneos, lia cartas de pessoas que emigravam e lhes escrevia em resposta. dava injecções, sem ser enfermeira mas sendo a enfermeira do povo

ainda preservo os medos que me induziu, por crescer na que era/é apelidada de terra de bruxas, onde ela própria sabia talhar o mau olhado, a inveja e outras coisas da medicina popular, que para mim soavam a bruxedo. também contava a história do lobisomem e da estalada do diabo: numa noite de lua cheia, se olhássemos para trás num cruzamento (para o lado esquerdo), o mafarrico dava-nos um correctivo (sem qualquer justificação aparente)

ralhava e mimava
punha pimenta na língua quando dizíamos asneiras
adormecia com ela

votava no PSD porque tinha a setinha apontada para o céu. Contou como o meu avô fugiu para Espanha, com um compadre, aquando da Revolução dos Cravos, porque era tesoureiro da junta de freguesia na altura do salazarismo

achava que uma boa esposa era aquela que sabia cuidar do marido, ou seja, aquela que sabia cozinhar, sabia dobrar roupa e sabia cozer um botão. com cara séria, lá mencionava o nome de uma fulana, que após uma semana de casamento o marido a tinha devolvido a casa dos pais, para aprender a ser uma boa esposa

a minha avó África era uma avó como todas as avós, uma avó de Canelas, que viveu noutros tempos. por causa dela, ainda carrego dentro de mim alguma coisa de bem, que vai muito além dos medos de aldeia

não sei se aos olhos dela eu caberia na definição de ser uma boa esposa, mas acredito que se fosse viva, já teria uma conta do facebook e não iria desgostar de ouvir o Jerónimo de Sousa a culpar o "Grande Capital!"

certo é que iria conhecer o Ivo, com quem partilha o dia de aniversário, com 68 anos de diferença entre eles e certo é que, iria gostar muito dele... por me deixar tão feliz e me fazer sentir especial, por saber que nele encontro um amigo, um esposo, um confidente, um amante e acima de tudo, um cozinheiro, facilitando a minha tarefa de boa esposa

parabéns avó ÿ ©
                                      © parabéns amor ©