agosto 08, 2014

# a curva do expatriado


a curva do expatriado.

Há uns tempos o Ivo tropeçou num vídeo engraçado, um vídeo que sintetiza as fases altas e baixas da vida de um expatriado. Obviamente que tanto a duração, como a intensidade dessas fases, dependem imenso do individuo, das diferenças culturais em relação ao país que adoptou e ainda da experiência que leva na bagagem.

O postal de hoje é exactamente a tradução e minha interpretação deste video (*) e ainda a correlação para a minha condição de expatriada. Tudo porque a Bifolândia afecta o meu estado de espírito, às vezes de uma forma antagónica, o que é um claro reflexo de alguma dessas fases. Resta é saber qual é!

Vamos lá conhecer a curva do expatriado...



As fases do princípio ao fim (ou ao início do novo ciclo):

© A primeira fase é a fase da lua-de-mel. Nesta fase tudo ainda é novo e excitante, quase como se fossemos um turista no país e, como a própria designação indica, como se estivéssemos no início duma relação em que as diferenças são notadas mas encaradas de uma forma descontraída ou engraçada. Quando as coisas começam a perder a graça, as diferenças começam a sobressair e a deixarem de ter piada, canalizamos a energia positiva para estabelecer rotinas novas e criar uma rede social, que será útil no futuro.


Posso dar vários exemplos mas os que marcaram mais: as casas recuperadas (estilo Vitoriano), a alcatifa e a própria cidade onde vivemos durante os primeiros sete meses (Weston-super-Mare). A recuperação é para "inglês ver", uma verdadeira porcaria: o caruncho começa a ser rei, a água começa a infiltrar-se pelas paredes de pladur que escondem a lareira e os exaustores não são mais que dispositivos que distribuem os fumos da cozinha, já que não há buraco de extracção nas paredes (courette para os mais entendidos). E se "alcatifa" para os portugueses, lembra anos 80, imaginem alcatifa na casa-de-banho? Nem dá para comentar. E sobre a nossa primeira cidade? Bem, chamam-lhe mesmo Weston-super-MUD (lama) porque de mar não tem nada. Curiosamente, foi exactamente para estar perto do mar que na altura aconselhei o Ivo a escolher WSM em vez de Bristol. Sete meses depois, já estávamos de malas aviadas para Bristol, a cidade que, entre outras coisas, era a que nos transmitia mais segurança.

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A fase seguinte é o choque cultural, em que já não é possível continuar a fingir-se que se é turista, pois há muita coisa em jogo. Tal pode ser despoletado por um conflito ou por um problema, por exemplo, através da doença de um familiar ou de um conflito com o chefe, ou mesmo através de problemas repentinos associados à relocalização. Em "casa" ou melhor, no país natal, não seria nada de especial mas num cenário novo e pouco familiar, é-se mais facilmente afectado. Perguntas-te pela primeira vez: o que é que faço aqui? É preciso evitar-se as idas ao país-natal nesta altura, caso contrário corre-se o risco de não se regressar! Em vez disso, o melhor é agarrarmo-nos às rotinas e rede de amigos criada na fase de lua-de-mel.

"O que vais fazer no  fim-de-semana?", "A malta vai até ao pub, queres vir?" ... 1,2,3 vezes, muitas vezes às sextas-feiras, IRRITA! Não, não tens nada a ver com o que vou fazer, porque se fizer algo que não seja ir para o pub ou ir apanhar alta bebedeira, já sei que é "BORING!"  Estratos sociais acentuados, nomeadamente um fosso gigantesco dos valores que separam a geração antes dos 40 anos e a geração abaixo, bem como o défice de pessoas qualificadas (e com acesso à educação superior) foi o que me marcou mais. Quase que excluía as gold-diggers ou as caça-bebidas de sexta-feira à noite, com os seus vestidos de Verão em pleno Inverno, sem meias, sem casaco e sem decência! É possível que tenha encontrado um lado Thatcher em mim: conservadora e old-fashioned...

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Caso se consiga evitar o regresso a "casa", entra-se na fase de adaptação superficial. Aqui aprende-se muitas das regras fáceis da sociedade, simplesmente, copiando o que se vê. Aparentemente está tudo bem mas entretanto começa a surgir um monte de dúvidas quanto a valores, prioridades e ideias que ainda são muito estranhas para ti próprio.

Ginásio, rotinas, city breaks, visitas de familiares e amigos, viagens frequentes a Portugal, a  vinda do Nuninho (meu mano super chato que deve ter avançado algumas fases por influência nossa) e os preparativos do casamento, distraíram e foram adiando a resposta a muitas questões importantes. Como nos vemos daqui a um, dois ou 5 anos? Conseguimos identificar-nos com esta gente? Queremos ter filhos aqui? Where do we fit? 

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É aqui que se experimenta o choque cultural total, onde se chega à conclusão que as pessoas com quem se convive ou são bárbaros ou apenas diabólicos, imorais, desumanos ou simplesmente desempenham um papel errado em questões centrais com que se deparam na vida, seja no trabalho, na fé ou mesmo nas abordagens sociais. Neste momento, deseja-se viver uma vida atrás dumas cortinas fechadas, ver TV por satélite de países civilizados e afastar-se de contacto com os nativos. Isto é duro e é preciso lutar com garras e dentes, para voltar ao contacto com a sociedade. 

A resposta a algumas das questões colocadas convergiu para um ponto: "ahhhhh!! tirem-me deste filme!" Não são bárbaros, são bifes! A rede de socialização acabou por convergir noutro ponto em comum: programas mais frequentes com portugueses (ok, e a TV por satélite).

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A partir de um certo momento, ganha-se respeito pelos "nativos", compreende-se a sua perspectiva e aceita-se que não temos que nos tornar um deles. Só é preciso entender o porquê do mundo deles fazer sentido para eles. A esta fase chama-se integração.

Um grande exemplo desta fase é a "censura" que faço às colaborações do Ivo aqui para o blog, no que toca a referências ou exemplos dos bifes, como por exemplo, ele arranja sempre forma de se justificar com um "é por isso que eles vivem numa ilha!". Surpreendentemente mostra-me que amadureci e, que de certo modo, já me encontro integrada pois consigo compreender algumas duns pontos de vista dos bifes. Por outro lado, chamá-los de bifes, mostra que a integração ainda é recente... Antagonismo portanto! Terei descoberto o meu ponto na curva?

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Para muitas outras pessoas ainda existe outra fase, que é a fase pior da vida de um expatriado. Designa-se por reentrada ou choque cultural ao contrário. O teu país natal provavelmente não mudou muito mas tu mudaste. Se não te apercebeste nem te preparaste para tal, vais acabar por verificar que não te consegues integrar no único local onde achavas que pertencias.

Infelizmente, não vemos para breve atravessar a fase mais difícil, mas de uma perspectiva de quem ainda anseia por regressar, considero que será a fase mais recompensadora. Vai ser a altura de arregaçar as mangas, agarrar o touro pelos cornos e gritar: Portugal, get ready, aí vamos nós! (com o inglesismo a que teremos direito e vocês terão que levar por algum tempo).

Resumindo, não há nada de errado connosco próprios e a maior parte das pessoas experimentam estas fases todas aquando da expatriação. Por isso, boa sorte se estiverem a pensar em emigrar. Não se esqueçam da escova dos dentes nem da paciência (ou tolerância), se o país de escolha for a Bifolândia, pois vão precisar.
    Fiquem bem,
    Joana

    (*) Post-script: "The expat curve", Living Institute


    2 comentários:

    1. O blog é diferente e único. Apesar da vontade de o fazer nunca comentei porque a temática em questão, que neste caso é a migração, me causa alguma angústia. Acredito ser o momento certo para o fazer e este post(al) assim o pede. Antes de mais felicito-vos ( a todos) pela capacidade e coragem de enfrentar um desafio que mudou completamente as vossas vidas, pois emigrar não e para qualquer um. Choca-me a leviandade com que muitos falam do assunto e assusta-me a naturalidade e a resignação com que muitos jovens ( e não são só os jovens ) encaram esta decisão. Não devia ser algo natural mas o contexto que está a ser criado e fabricado assim o obriga. Voltando ao blog e à questão de emigrar posso dizer que não me vejo nesse papel. Assusta-me pensar em sair do país e penso ser normal sentir-me desta forma. Não imagino a sensação de chegar a um lugar em que os valores, formas de agir, pensar e sentir ( por muito ocidentais que sejamos) choquem culturalmente como a Joana refere. A quem telefonar quando nos sentimos mal e precisamos que nos venha ajudar em algo? Quem para nos amparar nos momentos em que sentimos que estamos deslocados? Quem está lá para nós? Têm-se aos três e certamente tudo isso facilita, mas falta sempre algo que por muito que tente não consigo explicar. Às vezes penso se tudo vale a pena quando a vida é tão curta e passa num piscar de olhos. Descobri agora que pensar no futuro e em projectos nos foi cortado e pensar somente no presente é agora a nossa obrigação, mas os lá de cima ( os nossos superiores) esquecem-se que a trabalhar no presente para o futuro se perde um pouco nos dois no entretanto. São bem sucedidos e são felizes e isso ninguém vos pode tirar. Mas nunca se esqueçam que são Portugueses no Mundo e quanto a isso não há ninguém igual. Fico feliz que estejam no penúltimo patamar ( a integração ) que por muito bom que seja é o mais longo e aliciante. Contudo gostávamos todos que a reentrada esteja para breve porque por muito que digam que estão longe mas perto, no fundo, estão longe de um abraço, de uma conversa e principalmente de estarem AQUI. Espero que sejam como " A volta ao mundo em 80 dias", conheçam , descubram e vivam mas, voltem depressa :)

      p.s. Joana leio atentamente cada post teu e revejo doçura e uma forma diferente de viver a vida. Cada frase suscita a imaginação e isso é fantástico. Transmitir magia não é para todos. Parabéns!

      Diogo Vidal

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    2. Querido Diogo,

      Desde a sala de estudo, que sempre te achei um "menino" um pouco mais à frente, com uma maturidade incrível, que se distingue a léguas. É normal que a incerteza do futuro assusta, principalmente quando a vontade de seguir os sonhos é muito grande e vês que a probabilidade de se abrirem mais portas, poderá passar pela emigração. É válido acreditar que o futuro passa por ficar em Portugal e encontrar o teu caminho. Eu sei que vais conseguir e vamos estar aqui (e aí algumas vezes) para te apoiar.

      Eu também pensei assim como tu aos 23 anos, quando sabia que o tempo que estivesse fora, seria o tempo que não acompanharia o crescimento dos meus manos. Para quem é muito ligado à família, como nós todos somos, o sentimento de voltar para perto deles, nunca desaparece.

      Conscientes das decisões que tomamos, agora cabe-nos preparar o futuro para um regresso estável e controlado q.b. E aproveitar todos os momentos nas férias, saboreá-los a 150% e tentar recuperar o que perdemos nestes meses sem vocês fisicamente.

      Reserva uma bolinha de berlim na Leonor para mim :)

      Beijinhos e até já,
      Joana

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